Lixo zero

Conheça o estilo de vida "zero waste", que busca reduzir a produção de lixo

Fernanda Carpegiani Colaboração para o Urban Taste
André Stefano / Divulgação

Você conhece alguém que parou de usar shampoo ou desodorante? Tem um amigo que faz compostagem no apartamento? Já viu gente em restaurantes recusando copos e canudos plásticos? Pelo menos uma das respostas deve ter sido positiva, e talvez alguma até se aplique a você. Hábitos como esses são cada vez mais comuns. Juntos, eles fazem parte de um movimento mundial chamado zero waste, ou lixo zero.

A criadora do movimento é a francesa Bea Johnson, que começou o seu projeto de desperdício zero em 2008 com a família toda: marido, dois filhos e um cachorro. Sua metodologia, descrita em detalhes no best-seller Zero Waste Home, traduzido em mais de 20 países, é baseada  no que ela chama de cinco "R"s: recusar, reduzir, reutilizar, reciclar e compostar (em inglês é usada a palavra "rot", que significa decomposição orgânica).

É importante aplicar as regras exatamente nessa ordem. Isso porque a reciclagem, que costuma ser a primeira opção de muita gente, já provou ser uma solução pouco eficiente. Além de não dar conta da quantidade de resíduo que produzimos, o processo consome recursos, tanto financeiros como naturais, e gera lixo.

Assista à palestra (em inglês) de Bea Johnson no TEDx Talk

Felipe Machado / Divulgação Felipe Machado / Divulgação

Xô, plástico!

Essa mudança de mentalidade acompanha uma preocupação crescente de pessoas, empresas e governos com o lixo e seu impacto no meio ambiente. Na região Sudeste, cada habitante produz cerca de 1,2 kg de resíduos por dia, de acordo com dados da Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais).

Desde 2010, está em vigor no Brasil a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que conseguiu eliminar os lixões em 40% dos municípios brasileiros. Apesar de a notícia ser boa, a meta era acabar definitivamente com os aterros do país até agosto de 2014.

O maior vilão do descarte é o plástico. Tanto que o combate a esse tipo de poluição foi escolhido como tema do ano pela ONU. Campanhas pelo mundo têm chamado a atenção das pessoas para os plásticos de uso único, como o canudinho, e os micro lixos, minúsculos resíduos do material que muitas vezes são invisíveis a olho nu e contaminam até a água que a gente bebe. Enquanto muitos questionam a real importância do canudo no combate ao plástico, especialistas argumentam que são uma porta de entrada para a conscientização sobre nosso consumo.

Prateleira lixo zero

Grandes redes, como a Starbucks, já retiraram os canudos plásticos de suas lojas no mundo inteiro. No Rio de Janeiro foi proibido por lei oferecer canudinhos plásticos em bares e restaurantes a partir de 2019. O mesmo aconteceu em Santos, no litoral paulista. Agora foi a vez de São Paulo capital sair na frente, com a primeira loja lixo zero do Brasil. A Mapeei - Uma Vida Sem Plástico abriu suas portas em setembro com a missão de incentivar a redução de lixo na cidade.

O espaço fica na Rua Augusta e é bem pequeno. Isso já tem tudo a ver com movimento zero waste, como explica uma das donas, a geógrafa Lívia Humaire (foto abaixo). A inspiração veio de uma viagem que ela fez por cinco países, onde visitou cafés, restaurantes, confecções e lojas zero waste. Lívia contou toda essa experiência no blog No Waste.

Ela conheceu mais de 20 lugares com a intenção de voltar para o Brasil e abrir a Mapeei. "A pesquisa foi muito importante porque percebi que não precisava de um lugar gigantesco. O mais importante é atender uma quantidade boa de pessoas e mexer com essa estrutura individual muito profunda em que estamos inseridos”, conta.

Seguindo esse propósito educativo, o mezanino da loja vai receber cursos, palestras e oficinas sobre temas, como consumo consciente, veganismo de baixo custo e compostagem. Entre os produtos à venda estão garrafas reutilizáveis, cosméticos orgânicos sem embalagem, escova de dentes de bambu, kits de talheres para viagem, canudos de vidro e inox e absorventes de tecido.

Andre Stefano / Divulgação Andre Stefano / Divulgação

"Estou tentando abrir essa loja há três anos”, diz Lívia, que explica ter esbarrado em altos custos e muita burocracia. Sua primeira ideia era abrir uma loja de cosméticos por quilo. “A legislação brasileira não permite isso, então eu precisei desistir de vender esses produtos a granel." Outro obstáculo é a própria lógica dos fornecedores. Mesmo as marcas sustentáveis têm embalagens ou componentes de plástico em seus produtos. Lívia pediu para algumas se adequarem, retirarem lacres de plástico ou mesmo mudarem componentes de peças. Vários encaram isso como uma oportunidade de melhorar seus produtos. Já outros oferecem resistência.

Foi o caso de um produtor de escova para limpar canudos de inox e vidro. As cerdas são de plástico, mas no site diziam que poderiam produzir também com fibras naturais por encomenda. "Fiz o pedido e fui questionada. Eles insistiam em dizer que duraria menos do que o nylon, mesmo eu dizendo que tudo bem. É um processo de mudança em toda a cadeia de produção da indústria, que sempre foi baseada no plástico.”

Antes de ser um negócio, o lixo zero se tornou um estilo de vida para Lívia. Mãe de Iuna, 10 anos, ela conseguiu reduzir em 80% a produção de lixo da família nos últimos anos. No ano passado, o aniversário da filha foi totalmente zero waste, com formas de silicone e metal retornáveis para os doces e guardanapos de pano.

O ponto de virada no estilo de vida da geógrafa foi uma reforma em seu apartamento. "Tinha tanto lixo que minha filha disse: ‘mãe, não dá para dormir aqui, precisamos jogar tudo fora!’. Aí eu comecei a conversar e explicar todas as questões do descarte para ela." A partir deste dia, as duas decidiram reduzir ao máximo a produção de resíduos.

Felipe Machado / Divulgação Felipe Machado / Divulgação

Vida sem desperdício

Uma das primeiras a falar sobre esse tema no Brasil foi a designer e blogueira Cristal Muniz (foto à direita). O blog Um ano sem lixo existe desde 2014 e virou um livro com o mesmo nome, que serve tanto como guia para quem já é adepto do movimento, quanto para quem não sabe nada sobre o tema, com muitas dicas de como diminuir a geração de lixo em casa.

Cada cômodo ganhou um capítulo, que explica os tipos de resíduos produzidos em cada espaço da residência, quais são os problemas envolvidos e como resolvê-los. Também inclui receitas de produtos naturais. "Meu capítulo preferido é o último. Depois de todas as dicas para mudar o que está ao seu alcance, na sua rotina, explico como fazer isso fora de casa", conta Cristal. Tem dicas de como conversar com o síndico do prédio, montar negócios sustentáveis e pedir coleta seletiva no seu bairro, por exemplo.

Assim como Lívia, a ficha de Cristal também caiu quando precisou lidar com questões domésticas. "Eu sempre reciclei, mas quando fui morar sozinha fiquei impactada com a quantidade de lixo que eu produzia. Era basicamente comida e produtos de limpeza. Foi aí que comecei a pensar em como resolver essa questão." Enquanto transformava seus hábitos, Cristal ia contando a jornada no blog. "Eu estava muito dedicada, então todas as mudanças eram conquistas, nada foi muito difícil. O mais complicado era pesquisar, saber onde comprar produtos sustentáveis. Na época as empresas nem usavam essa palavra."

Aos poucos, Cristal foi se tornando uma referência no movimento lixo zero. Antes de publicar o livro, ela oferecia oficinas para ensinar as pessoas a fazer cosméticos naturais e produtos de limpeza. "Sempre me preocupei em ter fontes confiáveis, ler artigos científicos e testar as receitas que indicava. A ideia de dar cursos foi justamente passar esse conteúdo adiante, além de rentabilizar o projeto para poder me dedicar mais."

No ano passado, ela deixou a jornada dupla e passou a viver de seus projetos zero waste. Cristal resume esse estilo de vida na seguinte frase: "ter só aquilo o que usa e usar tudo aquilo que tem". Para ela, o mais importante é quebrar a lógica automática da sociedade em que vivemos, e isso só pode acontecer por meio da informação.

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Informação que transforma

A educação ambiental também é a premissa da plataforma Menos 1 Lixo, criada pela ativista ambiental Fe Cortez, que mora no Rio de Janeiro. Em 2015, ela decidiu parar de usar copos descartáveis depois de assistir ao documentário "Trashed: para onde vai nosso lixo", de Jeremy Irons. Em um ano, deixou de consumir 1.618 copos e percebeu que esse era um caminho para transformar hábitos e pessoas.

Fe também criou um copo reutilizável (foto) feito 100% no Brasil para substituir os copos plásticos descartáveis. A diretora de conteúdo do projeto, Marina Marcucci, explica que o produto é só um dos agentes de transformação do projeto, já que o maior pilar é a comunicação. "A informação é o primeiro passo para a mudança. O que as pessoas mais procuram é como substituir produtos de higiene e limpeza. Então a gente fala das alternativas, dá receitas de como fazer sabão em pó e desodorante", conta Marina.

No último ano, o movimento cresceu bastante. Foi de 30 mil seguidores no Instagram para 200 mil e lançou a websérie "Mares Limpos", em parceria com a ONU Meio Ambiente. Nos vídeos, Fe viaja pelo Brasil e pelo mundo conversando com ativistas e especialistas sobre o impacto do plástico nos oceanos.

Hoje o projeto tem o grande desafio de disseminar essas informações em todos os cantos do país. E Marina está otimista. "Falamos de sustentabilidade com uma linguagem acessível, e, aos poucos, está deixando de ser um assunto chato, e assim estamos conseguindo conquistar mais brasileiros e pessoas pelo mundo."

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