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Teatro-Parque do Bixiga fica mais próximo de sair do papel

Estudo Preliminar do Teatro-Parque do Bixiga - Divulgação - Divulgação
Estudo Preliminar do Teatro-Parque do Bixiga - Divulgação Imagem: Divulgação

Laíse Guedes

Colaboração para o Urban Taste, em São Paulo

24/06/2019 18h32

Mais verde para São Paulo e um parque que revela um rio vivo, há muitos anos escondido sob um terreno de onze mil metros quadrados entre as ruas Jaceguai, Abolição, Japurá e Santo Amaro, em pleno coração da Bela Vista. É o que propõe um coletivo de arquitetos para o futuro Parque do Bixiga. Mas para que o parque possa sair do papel, seria preciso encerrar o tão conhecido imbróglio que ocorre há mais de 30 anos entre o dono do terreno em questão, Silvio Santos, e o dramaturgo José Celso Martinez Corrêa.

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O empresário tem planos de construir ali três torres de apartamentos de mais de cem metros em torno do Teatro Oficina Uzyna Uzona, teatro histórico do Bixiga, fundado por Zé Celso. O dramaturgo alega que as torres afetariam o projeto e a estrutura do prédio de Lina Bo Bardi, cujo janelão é essencial não somente para a entrada de luz, mas para dialogar com a cidade.

Após décadas de processos judiciais, vieram duas importantes vitórias ao Teatro Oficina: em junho, a Justiça de São Paulo suspendeu a tramitação do processo de construção das torres e no mesmo dia, o projeto do Parque foi aprovado na Comissão de Administração Pública da Câmara dos Vereadores.

Para além da "briga de comadres", o impasse se tornou uma oportunidade de se rever o processo de urbanização da capital e reavivou o debate sobre o direito à cidade e ao espaço público. O projeto do Parque do Bixiga é o terceiro na região, juntamente ao parque Augusta e parque do Minhocão, próximo de ser realizado após pressão de movimentos de moradores que se organizaram para a criação de mais espaços de lazer e convivência na cidade.

O Teatro-Parque

Imagem do estudo preliminar para o Teatro-Parque do Rio Bexiga - Divulgação - Divulgação
Imagem do estudo preliminar para o Teatro-Parque do Rio Bexiga
Imagem: Divulgação

No começo de junho, um estudo preliminar do Teatro-Parque do Rio Bixiga foi apresentado à população em um grande ato realizado pelo movimento do Parque do Bixiga e do Teatro Oficina, como "uma luta por um modo de vida, pelo direito à cidade, e sobretudo pelo direito a imaginar e criar outras cidades, livres do massacre da especulação imobiliária".

O estudo foi elaborado pelas arquitetas Marília Galmeister e Carila Matzenbacher, há dez anos no Oficina, além de Marcelo X, que reuniram-se a Newton Massafumi e Tânia Parma, especialistas em córregos da cidade. O coletivo foi ampliado ainda em março com a chegada de Bruno de Oliveira Rissardo, Luiz Felipe Orlando e Manuela Makhoul, ex-alunos da faculdade Escola da Cidade.

A proposta atual não deixa de lado concepções originais de arquitetos como Lina Bo Bardi e Edson Elito, que idealizaram o Teatro de Estádio no terreno vago ao lado do Oficina, acrescentando ao projeto novas ideias. No estudo, as ruas do entorno do lote serão ligadas por passarelas e o destaque fica por conta do processo de "renaturalização" do córrego do Bixiga, que corta transversalmente o terreno, onde haverá um palco submergível durante as cheias.

O córrego do Bixiga, que atravessa o bairro da Bela Vista e passa embaixo da Câmara Municipal, é um dos três cursos d'água que formam o Ribeirão Anhangabaú - os outros dois se tratam do Ribeirão Itororó, sob a Avenida 23 de Maio e o Córrego do Saracura, que fica sob a Avenida 9 de Julho. Os criadores do projeto defendem que com a restauração do terreno e a renaturalização do rio, o novo parque cumpriria a função de confluência e escoamento das águas pluviais, atuando na regulação das ilhas de calor do Bixiga, uma das mais fortes da capital.

Trajetória

Eduardo Suplicy e Zé Celso em ato do Parque-Teatro do Bixiga - Teatro Oficina/Divulgação - Teatro Oficina/Divulgação
Eduardo Suplicy e Zé Celso em ato do Parque-Teatro do Bixiga
Imagem: Teatro Oficina/Divulgação

A batalha entre o grupo Silvio Santos e Zé Celso não é de hoje e se arrasta desde a década de 1980, quando o empresário ainda planejava construir um centro comercial no local. Já o parque do Bixiga vem sendo discutido desde 2010, quando o proprietário do terreno passou a ceder o uso da área à Associação do Teatro.

Em 2017, foi proposto um Projeto de Lei de autoria do vereador Gilberto Natalini que prevê a criação do Parque do Bixiga, em contrapartida às torres, e reivindica por um espaço verde na região, a mais populosa na cidade. Para Natalini, a área a ser protegida "guarda características singulares de um bairro histórico, construído a muitas vidas e culturas" e concretizar o Parque do Bixiga é questão de saúde pública no bairro, onde vivem cerca de 70 mil pessoas abrigadas em 32 mil domicílios.

O debate se intensificou quando, em outubro do mesmo ano, o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico autorizou a construção do empreendimento imobiliário no entorno. Desde então, Zé Celso vem mobilizando artistas e população para tentar evitar que o projeto seja realizado.

Recentemente, após ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo, a Justiça de São Paulo concedeu um pedido de tutela provisória para suspender a tramitação do processo das torres.

Na decisão, a juíza Paula Micheletto Cometti enfatizou que a construção de um empreendimento desse porte pode gerar danos irreversíveis. "Se levarmos em consideração que o bairro da Bela Vista é um dos poucos bairros paulistanos que ainda guarda de forma quase que intacta as suas características originais, (...) a não concessão da presente tutela, com a real possibilidade de modificação de tal cenário urbanístico, seria uma verdadeira carta branca para que a presente ação perdesse, ao final, o seu principal objetivo, que é justamente evitar os possíveis e mencionados danos", afirmou a magistrada.

No mesmo dia, o Projeto de Lei do Parque do Bixiga foi aprovado na Comissão de Justiça, Política Urbana e Meio Ambiente e Administração Pública na Câmara dos Vereadores e agora aguarda aprovação da Comissão de Finança.

Os patrimônios do Bixiga

Por dentro do Teatro Oficina - Tuca Vieira/Folhapress - Tuca Vieira/Folhapress
Imagem: Tuca Vieira/Folhapress

O Teatro Oficina foi fundado em 1958 por Zé Celso para ser palco de grandes espetáculos teatrais, apresentações de música, dança e performances. Em 1966, depois de ter sua sede destruída por um incêndio, foi reconstruído por Edson Elito e Lina Bo Bardi, a mesma arquiteta que assina outros ícones da cidade, como Masp e o Sesc Pompeia.

Durante a década de 1980, os arquitetos conceberam, no terreno no entorno do Teatro Oficina, a construção de um Teatro Estádio, que conectava o Oficina ao Vale do Anhangabaú. Daí, surgiu o nome Anhangabaú da Feliz Cidade, em uma referência ao baú da felicidade de Silvio Santos. Ainda nessa década, o prédio foi tombado em nível estadual e em 2010, no federal. Mais recentemente, o Oficina foi eleito por Rowan Moore, crítico de arquitetura do jornal britânico The Guardian, como "o teatro mais bonito e intenso do mundo".

Além dele, o bairro do Bixiga possui mais de 900 imóveis tombados, correspondendo a pelo menos um terço de todo o patrimônio cultural protegido da cidade. Entre os seus prédios históricos estão o Teatro Brasileiro de Comédia, do ano de 1948, e a Casa da Dona Yayá, casarão de 1902 considerado um dos últimos sobreviventes do antigo cinturão de chácaras que circundava a região central da cidade.

O alto número de prédios tombados na região não é à toa. Conhecido como o "bairro afro-italiano", o tradicional e boêmio Bixiga é considerado um importante ponto de cultura e lazer no centro da capital, reunindo também memórias de jesuítas, judeus, portugueses, nordestinos, escravos fugidos, artesãos e operários, em histórias eternizadas no samba de Adoniran Barbosa.

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